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segunda-feira, dezembro 29, 2003

De Saloia para Saloio 

Gostava de aproveitar esta ternura pós-natalí­cia que anda no ar para dedicar algumas paredes da Graça e de Alfama a Pedro Santana Lopes, o dí­namo sexual da nossa cidade conhecida por, em tempos ancestrais, ir comprar alfacinhas aos saloios dos arredores. Graças às estreitas ruas destes dois bairros, os amigos estrangeiros são obrigados a deixar bem longe as suas luxuosas catrapilas e embarcar numa inolvidável experiência rústica. E se eles gostam de andar nos tí­picos eléctricos!, onde há tempo para tudo, até para ler as típicas paredes dos chamados "barrios", enfeitadas com mensagens algo crípticas mas, não obstante, aparentemente acolhedoras, como «ALFAMA NÃO É MUSEU» e «QUE BELA PAISAGEM!», e outras não tão crípticas como «WE ARE NOT TYPICAL» e «TOURISTS, GO TO DISNEYLAND».
Mr. Santana Lopes, parece que ao contrário do que diz a sua professora primária, sempre merecia ter levado uns açoites enquanto petiz. Terá recalcado um trauma de saloio-mero-vendedor-de-hortaliças (já sei que foi criado em Benfica, como esta sua serva) que o leva a querer vingar-se destas gentes? Oiça as paredes: em Alfama ninguém quer ser observado na sua própria casa. Ninguém quer ter a sua casa guardada em álbuns de fotografias de remotas famí­lias de classe média. Ninguém quer extravasar a sua tipicidade para turista ver. Não será à força que vai conseguir tornar Alfama num 2º Bairro Alto, intercalando bares com tascas e faduncho. Na realidade, tudo é bastante tí­pico, e o que não nos falta é folclore, mas não queremos ter de cantar o fado à janela enquanto estendemos peúgas para sermos amados por si. A sua exigente frieza parte-nos o coração, e a depressão amorosa não é nada boa para o turismo. «O estatuto para impressionar o mundo / não precisa de ser mais profundo / Que o marasmo que nos atordoa (...) / Cada um no seu canto ecoa / A canção de Lisboa». Isto canta o Jorge Palma, que também é de cá e lhe pode ensinar uma coisa ou duas.

quarta-feira, dezembro 24, 2003

Por nós, qualquer dia serve 

Apesar de há muito tempo se saber que a decisão de declarar 25 de Dezembro como o dia do nascimento de Jesus foi tomada no século IV pela Igreja, sob influência do imperador romano Constantino, houve sempre dúvida sobre as razões exactas da escolha. A data terá sido escolhida, descobriram agora os investigadores, porque Constantino acreditava que o deus romano do Sol, Hélios, e Cristo eram virtualmente a mesma coisa, e 25 de Dezembro tinha sido decretado com o dia do nascimento do Sol 50 anos antes por um dos seus antecessores - o imperador Aurélio. Aurélio, por sua vez, parece ter escolhido 25 de Dezembro porque desde a reforma do calendário romano, feita pelo imperador Júlio César em 46 a. C., esse dia foi fixado oficialmente como a data do solstício de Inverno. O mistério está exactamente na razão da escolha, uma vez que a data real para o solstício no tempo de Júlio César era 23 de Dezembro (este ano, à latitude de Lisboa, foi às 7h03 de 22 de Dezembro). Os académicos sempre se interrogaram sobre o porquê da escolha do dia 25. (...) o nascimento do Sol foi quase de certeza fixado no equivalente antigo do 25 de Dezembro, quando este dia era de facto o solstício de Inverno e marcava realmente o renascimento anual do sol - o dia em que o sol começa de novo a ficar mais alto no céu e os dias a tornarem-se mais compridos. (...) A verdadeira data do nascimento de Cristo não é conhecida, apesar de várias tradições anteriores ao século IV e cálculos por computador a colocarem no período de Janeiro a Março ou em Novembro, provavelmente no ano 4 a. C.. (in Público, 24/12/2003)

segunda-feira, dezembro 22, 2003

Parabéns! 

No meu dia de aniversário «(...) só tenho por consolação / que os olhos se me vão acostumando / à escuridão.» (Fernando Pessoa)


sexta-feira, dezembro 19, 2003

Fungo-gágá da Bicharada – O Ornitorrinco que Irrita 

Oh, que refinado sentido de humor tem o Dr.! Que interessante, a sua intermitente alienação, que engraçado o seu pigarro! Só é pena a falta de decência. É pena, ainda restares tu. Neste covil onde passamos os dias, tu és aquele que volta sempre, quando menos espero ou quando é tudo o que espero, com subliminares avisos de superioridade, com constantes perguntas sem importância, com pedidos inoportunos, sempre consciente das minhas fraquezas. Pretendo que a minha vitimação me possa humanizar aos teus olhos. Porque nunca despes essa horrível camisola debotada, a da “Companhia” ? Sei que a vestes mesmo longe daqui. Vesti-la-ás no dia de Natal? Que farás no Ano Novo? E no dia do aniversário dos teus filhos? Posso estar a exagerar, e sei que és o primeiro a condenar infâmias, sempre a pigarrear. Na verdade, és um herói. Mas pensar em ti dá-me vontade de ir viver para um buraco, qual Saddam, de revólver em punho, à tua espera. Usá-lo-ía sem hesitar, transmutada num animal acossado pelo teu irritante pigarro. Trespassava sem hesitar o teu peito ornamentado com uma gravata sóbria, a tua camisa azul-Carris, o teu fato castanho-Maconde. Aquele, de bombazine. Continuas ainda assim a ser o melhor deles todos, irritante intelectual liberal!

Post de Escuta da Semana 

01 - Interpol - Turn on the Bright Lights (2002)
02 - Swans - tudo
03 - Jorge Palma - (1991)
04 - Train de Luxe Orient-Express: Paris-Constantinople (Compilation 2001)
05 - The Rapture - Echoes (2003)
06 - Yeah Yeah Yeahs - Fever to Tell (2003)
07 - Television - Marquee Moon (1977)
08 - Mão Morta - Corações Felpudos (1990)
09 - The Smiths - Singles (1995)
10 - The Black Heart Procession - Amore del Tropico (2003)

quarta-feira, dezembro 17, 2003

A técnica de recorte aplicada a O'Neill 

Sigamos o cherne!

Sigamos o cherne (...) !
(...) Atrás de muito mais que a fantasia
E aceitemos, até, (...) um beijo,
Senão (...)...

Em cada um de nós circula o cherne,
Quase sempre (...) (b)Em (...) passado
Circula o cherne: traído
Peixe recalcado...

Sigamos o cherne, (...)
Já morto (...) !


Alexandre O'Neill

terça-feira, dezembro 16, 2003

Na Pele do Cão 

"Um kamikaze que falhou explicou a um jornalista israelita porque tentara a acção: «Um dia estava em casa, não podia sair porque a minha cidade estava sob recolher obrigatório. Olhando pela janela vi um cão atravessar calmamente a rua sem que os soldados israelitas o incomodassem. Concluí: a minha vida vale menos do que a de um cão.»" (in DN, 10 de Novembro)


sexta-feira, dezembro 12, 2003

A Biloba, a Rosa, a Sardinheira e a Alfavaca 

Vivam as Gingko Bilobas e o seu espetáculo breve. Tão bonitas como elas são as Rosas de Santa Teresa em flor, perto do Cemitério de Benfica, que desautorizam com o seu odor a lugubridade dos ciprestes dos mortos. Também as Sardinheiras da Lagoa de Santo André saem de manhã cedo para sacudir o orvalho da noite alentejana, que pela força da repetição tenta debotar as suas vívidas cores quentes. Mas mais do que cor, cheiro ou forma, a Alfavaca dá-nos companhia. A Alfavaca é a planta mais amiga do Homem, preferindo desabrochar no ninho quente dos nossos pulmões e brônquios, e dedicando-se com fervor a qualquer criatura propensa a alergias respiratórias um pouco por todo o país.

sexta-feira, dezembro 05, 2003

Repto 

Quero ser canibalizada. Não aceito especialistas em Informática. Nem mesmo nerds do IST. Também não aceito famílias numerosas pobres dispostas a comer qualquer coisa. Dou preferência a indivíduos com algum refinamento, capaz de reconhecer diferentes morfologias e de identificar fenómenos e características imperceptíveis à primeira vista. Ou seja, pensionistas e taxistas também ficam de fora. O ritual deverá ser vivido instante a instante, logo os asmáticos têm prioridade, pelo grau de dificuldade que impõem.
Não é garantido o registo integral em video e/ou audio, logo alguém pode ficar prejudicado. Não obstante, também a nossa Constituição não prevê o canibalismo enquanto delito, logo o risco traduz-se no fundo a algumas incómodas idas a tribunal. Peso 60 kilos. Os analgésicos ficam, naturalmente, por minha conta.

segunda-feira, dezembro 01, 2003

Sonhei que... 

Sonhei que Herberto Helder era o convidado de um programa de televisão nacional. Vestia um pesado fato preto e debaixo do braço levava um ganso. O ganso era real, mas o bico era feito de lã. Lembro-me de, por várias vezes durante o sonho, me perguntar se Portugal, sob o martelar espectral da recessão e em plena crise de identidade, teria amor e imaginação suficientes para alimentar o ganso do bico de lã de Herberto Helder.







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